27 de julho de 2010

TEXTO DE SAMANTHA BUGLIONE (JORNAL A NOTÍCIA DE HOJE)

Desde 1988, a máxima “meus direitos” passou a ser quase um mantra. De fato, por anos, se viveu na arbitrariedade de Estado. Hoje, contudo, ainda se vive na arbitrariedade, só que um tanto mais sofisticada. Afinal, alguém consegue ter uma ação efetiva diante da frase “o sistema não permite, senhora”? O fato é que “buscar os direitos” via Poder Judiciário é um péssimo negócio para quem tem direitos a serem respeitados e um ótimo negócio para o violador. Isso porque não é qualquer um que consegue sustentar dez anos de ação judicial. O Poder Judiciário, infelizmente, no Brasil, é uma garantia de que a indenização quase nunca é de acordo com o dano efetivado; portanto, violar direitos é um bom negócio.


Parte desse problema é culpa nossa. O devido processo de direito, que é a garantia de um processo imparcial, com ampla defesa, provas qualificadas e revisão, é um direito constitucional. A questão é saber como esse direito ocorre nas relações privadas. Destaca-se que as pessoas confundem devido processo com recurso. Os recursos são, via de regra, estratégias para protelar uma responsabilidade. O devido processo é o que já foi dito: imparcialidade, condições reais de defesa, possibilidade de constituir provas qualificadas e, em alguns casos, revisão. Há três teorias sobre como se insere esse direito no âmbito privado. Mas que fique claro o conceito: trata-se do direito não apenas à revisão da decisão (recurso), mas do efetivo acesso a um processo de direito.

Essa aplicação no âmbito privado, chamada de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, encontra basicamente três diferentes teorias. A teoria do state action, direito norte-americano, nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Isso pode parecer antipático, mas negar discursos como dignidade humana e devido processo não é negar direitos, é afirmar que as relações privadas têm autonomia. Quando há discussão sobre essas relações, o que ocorre é verificar se a autonomia foi de fato respeitada ou se havia alguma relação de dominação que minimizava as condições de compreensão de uma das partes. A teoria da eficácia indireta e mediata, predominante na Alemanha, diz que as regras privadas devem ser feitas à luz dos direitos fundamentais. Por fim, a teoria que vale no Brasil: a da eficácia direta e imediata, que afirma que nas relações privadas tudo pode ser rediscutido à luz dos direitos fundamentais. Por isso que a eventual expulsão de alguém de um clube de xadrez pode gerar uma ação que vai acabar no STF.

O problema não é reconhecer direitos fundamentais nas relações privadas, mas fazer dos direitos fundamentais um discurso retórico para protelar obrigações e deveres.

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