5 de setembro de 2008

RACIONALISMO X FÉ (ÓTIMO ARTIGO DE LEONARDO BOFF)

Hoje, o tema Deus está em alta. Alguns, em nome da ciência, pretendem negar sua existência, como o biólogo Richard Dawkins, com seu livro “Deus, um Delírio” (São Paulo, 2007). Outros, como o diretor do Projeto Genoma, Francis Collins, com o sugestivo título “A Linguagem de Deus” (São Paulo, 2007), apresentam as boas razões da fé em sua existência.

E há outros no mercado, como os de C. Hitchens e S. Harris.No meu modo de ver, todos esses questionamentos laboram num equívoco epistemológico de base, que é o de quererem plantar Deus e a religião no âmbito da razão. O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera em que emergem os valores e as utopias.

Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade: “É o coração que sente Deus, não a razão”. (Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus, mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.Rubem Alves, em seu “Enigma da Religião” (1975), diz, com acerto: “A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo descrito e explicado pela ciência. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo tal qual ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo”.

O que transcende este mundo em direção a um maior e melhor são a utopia, a fantasia e o desejo. Essas realidades que foram postas de lado pelo saber científico voltaram a ganhar crédito e foram resgatadas pelo pensamento mais radical, inclusive de cunho marxista, como em Ernst Bloch e Lucien Goldman. O que subjaz a esse processo é a consciência de que pertencem também ao real o potencial, o virtual, aquilo que ainda não é, mas pode ser.Por isso, a utopia não se opõe à realidade.

É expressão de sua dimensão potencial latente. A religião e a fé em Deus vivem desse ideal e dessa utopia. Por isso, onde há religião, há sempre esperança, projeção de futuro, promessa de salvação e de vida eterna. Elas são inalcançáveis pela simples razão técnico-científica, que é uma razão encurtada, porque se limita aos dados sempre limitados.

Quando se restringe a essa modalidade, se transforma numa razão míope, como se nota em Dawkins.Se o real inclui o potencial, então está com mais razão o ser humano, cheio de ilimitadas potencialidades. Ele, na verdade, é um ser utópico. Nunca está pronto, mas sempre em gênese, construindo sua existência a partir de seus ideais, utopias e sonhos.

Em nome deles mostrou o melhor de si mesmo. É desse transfundo que podemos recolocar o problema de Deus de forma sensata. A palavra-chave é abertura. O ser humano mostra três aberturas fundamentais: ao mundo, transformando-o; ao outro, se comunicando; ao Todo, captando seu caráter infinito, quer dizer, sem limites.Sua condition humaine o faz sentir-se portador de um desejo infinito e de utopias últimas. Seu drama reside no fato de que não encontra no mundo real nenhum objeto que lhe seja adequado.

Quer o infinito, e só encontra finitos. Surge, então, uma angústia que nenhum psicanalista pode curar. É daqui que emerge o tema Deus. Deus é o nome, entre tantos, que damos para o obscuro objeto de nosso desejo, aquele sempre maior que está para além de qualquer horizonte.Este caminho pode, quem sabe, nos levar à experiência do cor inquietum de Santo Agostinho: “Meu coração inquieto não descansará enquanto não repousar em ti”. A razão que acolhe Deus se faz inteligência que intui para além dos dados e se transforma em sabedoria que impregna a vida de sentido e de sabor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito interessante o texto...todo o extremo é prejudicial...o importante é manter o equilíbrio entre a razão e a emoção.