O obituário é um texto vivo que trata de uma pessoa morta. Certos jornalistas iniciam sua carreira com essa atribuição que, por seu desprestígio, geralmente ocupa as páginas finais do jornal. Outros profissionais viram especialistas e passam a ter gosto em desenvolver esse tipo de texto, que tem um caráter bem definido e uma estética própria.
Se a crônica trata de fatos ocorridos ao longo do tempo (cronos), o obituário trabalha com um relógio que já parou de contar as horas, um lapso temporal extinto definitivamente pela morte.
Gosto de ler obituários para manter clara a lembrança do que realmente importa na vida. Quem já leu esse tipo de texto sabe que lá não aparecem quantos ou quais automóveis o falecido comprou em vida, tampouco o tamanho e a beleza de sua residência, casa de praia ou de campo. Nada disso interessa para um obituário.
De fato, o que fica expresso no obituário não é aquilo que o falecido adquiriu, mas sim o que deixou. E o que uma pessoa pode deixar? A resposta é simples: família, amigos, saudade e a sua contribuição para o mundo que prossegue.
O ensinamento que se extrai da leitura constante de obituários é mais ou menos aquele do antigo adágio com os seguintes dizeres: “Lembra-te da morte para bem empregar a tua vida.”
É claro que há aquelas pessoas que serão lembradas por terem deixado apenas ódio, inimigos e inveja. Nesses casos, o autor do obituário recebe uma tarefa árdua, difícil de desenvolver se não for pelo caminho da ficção.
Aliás, fico imaginando como pode vir a ser vazio o obituário de certas pessoas. Melhor não escrever, pois a tentativa seria vã. Existem obituários que poderiam ser escritos mais ou menos nesses termos: “Fulano de Tal, deixou um BMW 325 ano 2008, emplacado, enlutado e faltando trinta e duas parcelas para pagar.” Nada mais.
Por essas e outras recomendo a leitura de obituários. Trata-se da possibilidade de vislumbrar caminhos já trilhados e que deram certo, ou não. Os bons percursos podem ser imitados e os maus, evitados.
A título de curiosidade, há também a hipótese diversas vezes registrada historicamente, de obituários prematuros. Esse tipo de fato ocorreu com figuras ilustres como, por exemplo, o Papa João Paulo II, verdadeiro recordista com nada menos do que três obituários prematuros.
Alfred Nobel, criador do prêmio Nobel, também foi vítima de um obituário prematuro, tendo chegado a ler sua condenação como “mercador da morte”, por ter sido industrial fabricante de armas.
Particularmente, posso afirmar que até gostaria de ler o meu obituário, porém, acredito que o texto seria um tanto enxuto nesse momento da minha vida. Estou tentando melhorar, dar conteúdo, deixar algo de bom, mas confesso que ainda tenho que viver intensamente por um bom tempo para merecer um obituário decente.
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Um comentário:
Darwinn... gosto e me identifico com o dito. Tenho entre minhas reflexões preferidas, a de Roberto Shinyashiki:
"Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, ou por não ter comprado isto ou aquilo, mas sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a vida." E vejo este aproveitar, no contexto do que o autor dizia, como a busca da felicidade, das coisas simples, do dar bom dia ao porteiro, de acordar de manhã e ver minha filha correndo com os patos no sítio... coisas que com o passar dos anos, vou valorizando cada vez mais... Abç, Cris.
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