29 de setembro de 2011

O TEMPO DE VIDA

No cotidiano é comum ouvir alguém dizendo que o tempo passa muito rápido, seja comentando em linguagem figurada que: “a semana passou voando”, que “não viu o mês passar” ou, que “o tempo escorre feito areia, por entre os dedos das mãos.”

Há até quem diga que perdeu décadas de sua vida e que não consegue encontrá-las. Este se sente roubado no que tem de mais precioso, o tempo de vida.

Nesse tipo de comentário, consta, implicitamente, uma reclamação humana acerca da brevidade da vida, da falta de tempo para realizar, para viver, sentir.

Não é de hoje que o homem manifesta a sua falta de intimidade com o tempo e a sua irresignação com a finitude da vida. Aliás, esse é o grande problema existencial que provocou o surgimento da filosofia e da religião

Santo Agostinho legou um raciocínio interessante: “O que é o tempo? Se ninguém me perguntar eu sei, se me perguntarem, ignoro.”
Concordo com ele. O fenômeno temporal é daqueles que se pode perceber, mas dificilmente consegue-se uma explicação concreta. Da mesma forma, a noção da inexistência é algo que assombra o ser humano.
Afinal, como pode um ser finito, que percebe a sua existência em um determinado ambiente, compreender a noção de eternidade, de infinitude ou, ainda, o oposto absoluto, isto é, a noção da absoluta inexistência (o nada ou o não-ser)?
Quando não se consegue uma explicação abstrata, o raciocínio humano recorre, naturalmente, à metáfora. E qual a metáfora mais utilizada filosoficamente para explicar o tempo? Sem dúvida, o fluxo das águas de um rio.
Heráclito dizia que ninguém entra no mesmo rio duas vezes. Isto significa que, no decurso do tempo, as águas do rio sempre serão outras, assim como que, nós mesmos, também estamos em fluxo de constante mudança e não seremos os mesmos, ao procurarmos novamente o rio para um mergulho.
Assim, temos um tempo presente que se esvai no mesmo momento em que é recebido do futuro, ou seja, um presente que inexorável e continuamente torna-se passado. Enquanto escrevo estas linhas, a cada letra digitada, dou um passo para o futuro, convertendo a instantaneidade do presente em passado.
Esse caráter instantâneo do presente faz com que a consciência tenha a impressão de não ter vivido suficientemente, de que a vida passa muito rápido, de que somos feitos apenas de memórias.
Platão ensinou lindamente que o tempo é a imagem móvel da eternidade. Porém, prefiro ver o tempo como uma oportunidade de transformação constante da imagem caleidoscópica do eterno.

Nesse sentido, lembro do poeta Cazuza, que criticou acidamente a caretice e o preconceito recorrendo ao fluxo do tempo, quando cantou: “a tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não pára!”
Ora, se não podemos, agora, afrontar o tempo, resta aproveitá-lo como uma ferramenta de transformação da imagem de eternidade referida por Platão, pintando-a com as belas cores dos melhores sentimentos que a existência humana pode proporcionar.
O mais é passado, e nele permanecerá eternamente sepultado pelas pesadas areias do esquecimento.

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