9 de março de 2008

O UNIVERSO CONDENSADO EM UM PONTO

Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, de brilho quase intolerável. Primeiro, supus que fosse giratória; depois compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espetáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico ali estava, sem diminuição de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos), era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do Universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, vi as multidões na América, vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um roto labirinto (era Londres), vi intermináveis olhos próximos perscrutando em mim como em um espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me refletiu, vi em um pátio na rua Soler os mesmos ladrilhos que, há 30 anos, vi um saguão de uma casa de Frey Bentos, vi cachos de uvas, neve tabaco, listras de metal, vapor d´água, vi convexos desertos equatoriais e cada um de seus grãos de areia, vi em Inverness uma mulher que não esquecerei, vi a violeta cabeleira, o altivo corpo, vi um câncer no peito, vi um círculo de terra seca em uma vereda onde antes existira uma árvore, vi em uma quinta de Androgué um exemplar da primeira versão inglesa de Plínio, a de Philemon Holland, vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página (em pequeno, eu costumava maravilhar-me com o fato de as letras de um livro fechado não se misturarem e se perderem no decorrer da noite), vi a noite e o dia contemporâneo, vi um poente em Querétaro que parecia refletir a cor de uma rosa de Bengala, vi meu dormitório sem ninguém, vi em um gabinete de Alkmaar um globo terrestre entre dois espelhos que o multiplicam indefinidamente, vi cavalos de crinas redemoinhadas em uma praia do Mar Cáspio, na aurora, vi a delicada ossatura de uma mão, vi os sobreviventes de uma batalha enviando bilhetes postais, vi em uma vitrina de Mirzapur um baralho espanhol, vi as sombras oblíquas de alguns fetos no chão de uma estufa, vi tigres, êmbolos, bisontes, marulhos e exércitos, vi todas as formigas que existem na terra, vi um atrolábio persa, vi em uma gaveta da escrivaninha (e a letra me fez tremer) cartas obscenas, claras, incríveis, que Beatriz dirigira a Carlos Argentino, vi um adorado monumento na Chacarita, vi a relíquia cruel do que fora Beatriz Viterbo, vi a circulação do meu escuro sangue, vi a engrenagem do amora e a modificação da morte, vi o Aleph de todos os pontos, vi no Aleph a terra, vi meu rosto, minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e chorei, porque meus olhos haviam visto esse objeto sagrado e conjetural cujo nome os homens usurparam, mas que nenhum tem olhado: o inconcebível Universo.
(BORGES, Jorge Luis. O Aleph).

Um comentário:

Anônimo disse...

Palmas. De pé agora.

Que imaginação maravilhosa, que perspectiva mais deliciosa. Longa a viagem...

A gente vê o universo diariamente, não percebe, e chama isso de rotina.