27 de outubro de 2011

EPITÁFIOS

Na última sexta-feira, ao caminhar pelos meandros de um cemitério (do grego koimeterion, lugar para dormir) notei como os epitáfios são repetitivos. Há o lugar comum do “descanse em paz” (rest in peace) ou ainda, a simplicidade do “aqui jaz João da Silva, marido bondoso e pai exemplar.” Parece que a criatividade morreu junto com os corpos que lá estão.

Particularmente deixo claro que não quero nenhum epitáfio. Aliás, não quero nem mesmo uma sepultura. Desejo que os restos se desfaçam, que voltem ao pó de onde vieram, que deem continuidade ao eterno ciclo. Quem sabe amanhã ou depois, meus átomos estarão nos pêlos de um macaco, em uma pétala de flor ou no rugoso tronco de uma árvore. Já dizia Lavoisier, que nada se faz, nada se cria, tudo se transforma.

Falando em criatividade, cabe perguntar para que serve uma sepultura além do interesse sanitário? É ela a morada do morto? Claro que não. A sepultura não existe para o falecido. Existe apenas para os vivos que sentem saudade e precisam encontrar um local material de encontro com aquele que se foi. Quem visita um túmulo, pensa por vezes que está visitando o morto, como se lá fosse, efetivamente, a sua eterna morada.

No entanto, para aqueles que estão vivos e desejam pompa em sua última morada, recomendo melhor conteúdo nos epitáfios.

Quem sabe um exemplo de sinceridade por parte da família de um cafajeste, que poderia ser mais ou menos assim vazado:

Querido Jorge,
Falta não farás,
Abrace bem forte,
Seu amigo Satanás!

Sim, porque ninguém se converte em boa pessoa pelo simples fato de morrer. Quem foi perverso, desonesto e ególatra durante toda a vida, não se tornará anjo porque feneceu.

Para uma pessoa pouco reconhecida em vida por seu devotamento, o epitáfio poderia ser uma mensagem tal como a deixada por Fernando Pessoa em Eros Universo:

Amei-te por te amar
Só a ti eu não via...
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia...
Só quando te perdi
É que eu te conheci...

Quem prefere deixar como epitáfio um lamento pela brevidade da vida, pode espelhar-se na estética das linhas desenhadas por Mário Quintana:

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!

Já imaginou se em cada sepultura no cemitério houvesse uma mensagem diferente sobre a vida, sobre a humanidade ou sobre as relações humanas? O cemitério poderia ser mais do que apenas um dormitório dos mortos ou um depósito de corpos. Poderia ser um grande livro aberto no tempo, um centro cultural de reflexão humanística, uma forma de aprender o que realmente vale a pena fazer ou viver antes do fim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa!
Abraço,
Jackson Torres