6 de outubro de 2011

SADISMO

Imagine ter o seu nome associado à maldade, ao que é destrutivo e negativo. Imagine que essa associação perdure séculos e mais séculos após a sua morte. Imagine que grande parte das pessoas utiliza o seu nome para designar as maiores iniquidades e as piores atrocidades cometidas pelos seres humanos.

Pois bem, foi justamente isso o que aconteceu com o francês Donatien Alphonse-François de Sade, vulgarmente conhecido como o Marquês de Sade, nascido em 1740, período conhecido na Europa como o Século das Luzes. 

O tom pejorativo é grave quando se fala em sadismo, sadomasoquismo e outras associações ao nome do Marquês que, calha dizer, não foi acusado durante toda a sua vida, de ter praticado um ato sequer de violência contra alguém. Mas o que então poderia ter feito um homem para merecer condenação tão desonrosa, que se prolonga por séculos após a sua morte?

É fora de dúvida que os textos do Marquês são dominados pela temática sexual escatológica, sem limites morais ou pudores. Não é o caso de promover aqui uma defesa do teor de seus escritos fantasiosos, por vezes, de aparência doentia. Todavia, é importante verificar o que causou a sua condenação histórica como um “ser das trevas” de sua época.

Nesse sentido, penso que o verdadeiro motivo ensejador de sua execração perpétua, foram os repetitivos e ferozes ataques à Igreja Católica e ao Estado de forma geral, o que constituía crime na época e acabou por levá-lo à prisão.

No entanto, basta conhecer um pouco do seu pensamento para perceber que, apesar do ateísmo nervoso e até imaturo, bem como da violação de qualquer padrão de sexualidade, há um belo legado de pensamento humanístico pelo qual ele mereceria ser lembrado.

Nesse sentido, por exemplo, a passagem do Diálogo entre um Padre e um Moribundo, na qual ele afirma que “tão somente a razão nos deve advertir que prejudicar nossos semelhantes jamais nos tornará felizes, que contribuir para a felicidade deles é a melhor coisa que a natureza nos pode conceder na Terra. Toda a moral humana encerra-se nestas palavras: tornar os outros tão felizes quanto desejamos sê-los nós mesmos, e jamais lhes fazer mais mal do que gostaríamos de receber.”

Quem poderia imaginar que o ser humano que deu nome ao “sadismo” combate repetidamente a aplicação da pena de morte? A esse respeito, o Marquês assim se pronuncia em sua Filosofia da Alcova: “percebe-se a necessidade de se fazer leis suaves, e sobretudo, de aniquilar para sempre a atrocidade da pena de morte, porque a lei que atenta contra a vida de um homem é impraticável, injusta, inadmissível.” 

Na obra 120 dias de Sodoma, teceu séria crítica aos homens públicos quando sustentou que "as grandes guerras que impuseram tão pesado fardo a Luís XIV esgotaram tanto os recursos do tesouro quanto do povo. Mas mostraram também a um bando de parasitas o caminho da prosperidade. Tais homens estão sempre a espreita de calamidades públicas, que não se preocupam em aliviar, antes procurando criá-las e alimentá-las a fim de que possam tirar proveito dos infortúnios alheios."

Portanto, apesar de seus muitos erros e excessos, é inegável que o Marquês foi mais do que um mero escritor de textos eróticos do século XVIII. Como visto acima, trata-se de um homem dotado de postura filosófica, ou seja, alguém capaz de questionar a moral de sua época, o casamento, as leis vigentes, o Estado, a poderosa Igreja Católica e todas as instituições sociais.

Justamente por essas razões, é que lamento a associação do Marquês de Sade a questões pejorativas e depreciativas do ser humano, tais como a maldade e a atrocidade de forma geral. Nos momentos em que a violência aparece nos seus textos é em forma de fantasia (insana é bem verdade) e não como ensinamento ou pregação de um modo de agir. O que se faz com o Marquês é, nada menos, do que um grande sadismo.

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