30 de outubro de 2008

DIÁLOGO COM A FALTA DE EXPECTATIVA

Foi uma tarde atípica, tive que ir na Delegacia de Polícia para atender a um cliente. Digo que “tive que ir”, pois não faço questão alguma. Para quem ainda não sabe, o que se encontra em uma Delegacia de Polícia Civil são servidores bem intencionados, porém desestimulados e frustrados por uma remuneração vergonhosa paga pelo Governo Estadual, que também não fornece as mínimas condições para que o cidadão tenha um atendimento de qualidade. Falta pessoal, não existem equipamentos adequados e suficientes para a realização de um bom trabalho e, não raro, falta até mesmo combustível para as viaturas.O resultado dessa fórmula não poderia ser outro, uma fastidiosa espera para o atendimento que nem sempre atinge o objetivo.

Todavia, um acontecimento peculiar transformou esse momento de espera.

Enquanto aguardava o atendimento do meu cliente, um ex-aluno, policial militar, me chamou e disse:

- "Doutor", venha aqui dar só uma olhada no que chegou!

Enquanto me dirigia a uma sala reservada, ele completou:

- Não adianta dar conselhos ou pedir o nome deles que eles não respondem.

Ao chegar na sala vi três crianças. Eram três meninos magricelos com idade aparente de 13 anos, usando roupas folgadas de “rapper” americano e grossas correntes metálicas penduradas no pescoço.

O que mais me chamou a atenção e que me marca até hoje foi o olhar vazio, sem brilho e “seco” de um deles. Parecia um verdadeiro zumbi.

Ao mesmo tempo em que me recuperava desse cenário triste, recebi explicações do policial:

- "Doutor", já tentamos de tudo com esses meninos, mas não adianta, é prender e soltar, prender e soltar, porque eles não ouvem conselhos. O negócio deles é furto.

Tentei trocar umas palavras com os meninos. Queria conversar com eles e entender o que se passava. Então comecei:

- Olha meus amigos, não sou policial e estou aqui só de passagem, mas ouçam o meu conselho, não deixem a escola e parem já com essa vida de crimes. Agora vocês estão detidos e muito mais infelicidade virá nesse caminho, tanto para vocês, quanto para as suas famílias. Já pensaram na tristeza que isso gera para os pais de vocês?

Nesse momento, o policial disse-me:

- Pergunte qual o nome do pai ou da mãe deles. Quer ver como eles não respondem, eles não falam absolutamente nada!

Não acreditando, perguntei com tranqüilidade:

- Qual é o nome do pai ou da mãe de vocês?

Não houve resposta alguma.

Tentei de novo:

- Vocês poderiam informar onde moram, para que possam ser chamados os responsáveis? Só assim vocês poderão voltar para casa.


Enquanto isso, tentei fitá-los nos olhos, sem sucesso, eles viravam o rosto constantemente.

Não recebi resposta alguma deles. Não houve diálogo. Eles não desejavam contato algum. Fiquei impressionado com a frieza e experiência deles em ignorar qualquer contato.

No momento em que o policial me acompanhava para fora da sala, falou-me que estava cansado desse repetitivo episódio e que não via um futuro ou uma solução para esses jovens.

Confesso que fiquei atormentado com aquela imagem, pois certamente são embriões bem desenvolvidos de futuros marginais (aqueles que vivem à margem do sistema), praticando crimes mais sérios e, provavelmente, dotados de violência. Daqui não muito tempo, pode ser que eu ou mesmo você leitor, encontre um desses meninos apontando-lhe uma arma na janela do carro ou no portão de casa.

Nessa tarde, consegui ver um pouco do lado negro da Jaraguá do Sul de amanhã. O rápido desenvolvimento da cidade e as enormes desigualdades sociais estão produzindo fenômenos próprios das grandes metrópoles, os quais somente poderão ser amenizados caso haja preocupação efetiva, desde já, com as crianças e jovens carentes.

Nossa vida em sociedade é como uma teia, o que faço gera resultados aos demais e o que você faz também influencia a vida dos outros. Repetindo o que já venho dizendo em outros "posts": precisamos ter visão de conjunto, precisamos olhar o mundo segundo os interesses coletivos e não apenas visar egoísticos interesses pessoais.

3 comentários:

Anônimo disse...

Crianças como essas já estão preparadas para o mundo crime. Muitas vezes, os pais já não dão mais a minima a eles, a família se encontra toda desestruturada.
Além do mais, eles já sabem que o sistema não funciona como deveria, têm certeza da suas impunidades e imunidades e que logo estarão soltos.
Ou seja, foi fácil fazer o furto, os pais não falarem nada, o Estado não punir, e apenas levarem umas correções por parte dos policiais, o que já devem estarem acostumados em casa.

Raphael Rocha Lopes disse...

Esse episódio e os comentários do Klaus me fizeram lembrar de um fato ocorrido quando eu ainda estudava em Fpolis. Dois garotos, irmãos, de uns 11 ou 12 anos, talvez, tentaram furtar um par de tênis na casa do meu tio, que, quando viu, saiu correndo atrás deles (e eu atrás dele) alcançando um.
Levado à delegacia - na época o escrivão estudava comigo - o investigador lembrou do apelido do rapazote e puxou a ficha dele: tinha mais ocorrências do que idade, variando de perturbação a furto, já tendo sido pego com drogas (cola, maconha) e por aí vai.
Antes de chegarem os policiais, entretanto, ainda lá na casa do meu tio, o garoto fez ameaças dizendo que o pai dele iria dar uma surra no meu tio, e que, exatamente como o Klaus falou, conhecedor de suas "imunidades", ninguém poderia encostar nele.
Lembro que era uma noite com jogo da seleção brasileira e que o escrivão, meu colega, falou: "- hoje ela vai dormir bem, em condições que não tem em casa, vai comer bem, o que não se sabe se tem em casa e assistir o jogo sossegado. E amanhã estará na rua de novo."
Depois descobrimos que o "pai" que iria dar uma surra no meu tio sequer existia e a mãe já tinha sido presa algumas vezes.
Como se vê, o problema não é novo, mas assusta essa falta de expectativa se alastrando em Jaraguá.

disse...

Como o klaus colocou, "a família se encontra toda desestruturada."...concordo.

Mas e nos casos em que a criança nem pai e mãe tem, ou estão com a vó ou vô, ou largados com um tio...
acredito que intenção e a ação conjunta faz diferença sim, mas jaraguá do sul é uma cidade muito induvidualista, onde a maioria das pessoas vive da aparência!!

Precisamos antes de tudo, buscar o veradeiro significado de família, ai sim as coisas vão começar a melhorar, pois não existe amor maior do que uma verdadeira família!!!
Portanto na minha opinião o que falta para essas crianças é amor, o amor sincero e verdadeiro que só uma "verdadeira família" pode proporcionar!!!