Após três anos de convivência sob o mesmo teto, duas mulheres e um homem optaram por regularizar a situação matrimonial e estabelecer, em cartório, as mesmas regras atribuídas ao casamento. O caso ocorreu em Tupã (a 435 km de São Paulo), em maio deste ano, mas só foi divulgado nesta semana, depois da publicação no Diário Oficial do Estado de uma Escritura Pública de União Poliafetiva.
O documento, uma espécie de contrato, foi feito no Cartório de Notas e Protestos da cidade pela tabeliã Cláudia Domingues. Segundo ela, essa escritura pode ser a primeira que trata sobre uniões poliafetivas no País. "O desejo dessas pessoas foi declarar publicamente essa situação e ter a garantia dos seus direitos", disse a tabeliã. Os nomes foram mantidos em sigilo pelo cartório. O trio já havia procurado outros profissionais da cidade, que não quiseram registrar o documento. Mas, após analisar a questão, Cláudia avaliou que não existia impedimento.
Para o juiz Nilton Santos Oliveira, da 2.ª Vara de Direito da Família de Araçatuba, o documento é um instrumento legal. "Não vejo nada de irregular. A sociedade avança e não podemos fechar os olhos para isso. Temos de acompanhar a evolução e adequar a legislação com base em casos concretos."
Para a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Família (Ibdfam), Maria Berenice Dias, a sociedade deve se preparar para os diversos tipos de relacionamento que existem hoje em dia. Por meio de nota, Maria Berenice diz que é preciso "respeitar a natureza privada dos relacionamentos e aprender a viver nesta sociedade plural, reconhecendo os diferentes desejos". "O princípio da monogamia não está na Constituição, é cultural. O Código Civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e devem ter seus direitos garantidos. A Justiça não pode chancelar a injustiça."
A escritura lavrada em Tupã trata dos direitos e deveres dos envolvidos, das relações patrimoniais e da eventual dissolução da união e seus efeitos jurídicos. Um dos principais trechos diz: "Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para a garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade."
Conforme o Ibdfam, o documento garante direito ao trio no que diz respeito à divisão de bens em caso de separação e morte, mas não trata, por exemplo, de pensão por morte ou financiamento bancário. Segundo o Ibdfam, a escritura estabelece um regime patrimonial de comunhão parcial, análogo ao regime da comunhão parcial de bens estabelecido pelo Código Civil Brasileiro.
No documento ficou decidido que um dos conviventes administrará os bens. Dentre os direitos e deveres dos envolvidos está a assistência material e emocional eventualmente para o bem-estar individual e comum, o dever da lealdade e a manutenção da harmonia na convivência entre os três.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo
Notícia encaminhada por: Bruna M. Piazera.
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