É noite de quarta-feira, o sol já se pôs e mais um dia movido a cortisol e adrenalina vai chegando ao final.
Enquanto o oriental senta paralisado e concentra-se para esvaziar a mente, eu medito cortando cebola, alho, tomate, pimentão, cheiro verde e temperando postas de peixe.
Panela de barro sobre a pia, lentamente coloco uma camada de peixe, sal, uma camada de temperos, sal, nova camada de peixe e outra de temperos, até chegar pouco antes da borda.
O processo corporal é de semiconsciência. Não penso no que estou fazendo para não errar. A consciência traz o erro e afasta a sensibilidade das quantidades e medidas de ingredientes.
Sobre os ingredientes derramo leite de côco, azeite de dendê, pimenta do reino e um pouco de Curry.
Nesse estágio os problemas cotidianos já parecem mais distantes, a mente começa a descansar, o coração bate mais lento e a respiração diminui seu ritmo.
Hora de ligar o fogo e, enquanto o calor penetra nos ingredientes, arrumo detalhadamente a mesa para o jantar. Não perco de foco que o mais importante é o ritual, o caminho, a viagem para chegar no destino gastronômico e não este em si.
No momento em que a mesa está pronta, o aroma de moqueca já perfuma a casa e instiga o apetite. A alquimia culinária está em pleno vapor. O que era peixe agora é cebola, o que era cebola agora é pimentão e o que era pimentão agora é alho.
Hora de apagar o fogo e deixar descansar a moqueca e o corpo, ambos mudados de formas diferentes, através dos vários ingredientes que os formam.
Resta ainda a refeição em si, que deve ser lenta, acompanhada de boa conversa, farinha de mandioca e música para a alma.
Com o término do jantar conclui-se a sessão da terapia culinária. Depois da sessão, nada de televisão ou internet. Hora de ler um pouco, sublinhar textos interessantes a meia luz, refletir sobre novas ideias e aguardar o irresistível aumento de peso das pálpebras.
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