Nós somos realmente muito inteligentes. Recebemos um planeta inteiro de possibilidades e recursos gratuitos. Através do uso da razão conseguimos convertê-lo em uma mercadoria cara, de acesso restrito.
Fundamentados em nossa superioridade na escala evolutiva, bem como em passagens de textos sacralizados, supostamente escritos ou inspirados por Deus, conseguimos, em pouco tempo, precificar os recursos naturais e dizimá-los dentro de nosso insano sistema de trocas que consegue enxergar apenas o presente.
À guisa de exemplo, o pequeno trecho bíblico a seguir transcrito, serviu de pretexto para aplacar o peso na consciência daqueles que durante tanto tempo exploraram e exauriram os recursos naturais (afinal, estavam apenas cumprindo o mandamento celestial):
Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra”. Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou: “Frutificai disse ele, e multiplicai-vos, enchei a Terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a Terra”.
(Gênesis – Capítulo 1, versículos 26-28).
Segundo a UNESCO, atualmente, cerca de um terço dos sete bilhões de habitantes do planeta vive em miséria absoluta e passa fome. Ultrapassamos em aproximadamente vinte por cento a capacidade de regeneração dos recursos do planeta e a espécie humana está conseguindo, graças à sua soberania frente aos demais seres, eliminar paulatinamente todos aqueles que não lhe são úteis.
Sim, o utilitarismo social foi pervertido pelo capital e levado às últimas consequências. Somente os seres vivos que têm utilidade são mantidos dentro de um padrão de segurança para a sua existência. Aqueles que não servem como alimento, entretenimento, luxo, remédio, combustível ou que não sejam facilmente reproduzíveis, estão condenados ao desaparecimento.
Esse utilitarismo também se aplica aos próprios seres humanos. Só é valorizado aquele que pode colaborar ativamente com o giro da grande roda mágica do capital. Idosos, analfabetos, deficientes ou mesmo aqueles que não se enquadram na lógica imposta, são vistos algumas vezes como fardos para a sociedade, verdadeiros marginais no sentido de se situarem à margem do sistema.
Nosso avançado sistema de trocas comerciais, esse mesmo que transformou o nosso planeta em um produto, foi também capaz produzir tamanha alteração no ambiente que a liberdade por si só, perdeu muito do seu sentido.
Atualmente a liberdade só faz sentido para quem dispõe de dinheiro para utilizá-la. Sem dinheiro não há sequer como satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência, o que se dirá de usar dignamente da liberdade de locomoção e de opinião.
Somos fundamentalmente livres segundo o texto de nossa Constituição Federal, mas livres para que? Livres para funcionar como peças uniformes, inconscientes e alienadas? Engrenagens de carne movidas por desejos pueris e necessidades criadas pelo marketing?
O brasileiro, por exemplo, que trabalha um mês inteiro e leva um salário mínimo para a sua família é considerado livre. Porém, como exercerá a sua liberdade? O que poderá ele fazer durante o seu exíguo tempo de lazer?
O capitalismo é realmente um sistema engenhoso que conseguiu transformar o antigo escravo em uma peça facilmente substituível ainda mais barata e que não pode sequer reclamar da falta de liberdade. Se quiser ir embora, que vá. Fuja do sistema, se puder...
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