Janus é um antigo deus romano bicéfalo, costumeiramente representado por uma imagem com as cabeças opostas, uma olhando para frente e a outra olhando para trás. Como todo símbolo ou mito, diversas são as possibilidades de interpretação.
Porém, como Janus está situado no calendário Gregoriano, justamente como primeiro mês do ciclo anual (Janeiro), bem ainda, por Janus ser considerado o deus dos portões e passagens, pode-se invocar o sentido da passagem do tempo, ou seja, da relação entre o passado e o futuro (as cabeças opostas de Janus).
Relevante notar que Janus não tem três cabeças, mas apenas duas, ou seja, uma olhando para o tempo passado e outra olhando para o tempo futuro. Para Janus não há o tempo presente, talvez porque o presente seja, justamente, o ponto de conjunção entre o futuro e o passado.
Assim, cada sílaba pronunciada ou letra digitada na tela do computador converte-se automaticamente em tempo passado. Um passado recente é verdade, mas que não volta, exceto pela repetição do ato. Cada respiração, cada passo, cada mastigação, transforma o futuro em um presente fugidio que escapa para o arquivo do passado ou para aquele abismo profundo que chamamos de esquecimento.
Seria muito bom se fosse possível paralisar o tempo presente nos bons momentos, o que só se consegue de modo muito tosco através de filmagens ou fotografias. Até mesmo o ato de escrever chega a ser intrigante, pois o que é presente para o leitor já é passado para o escritor e pode ser parte do futuro de quem ainda não leu.
Mas, se por um lado o presente é um pássaro que o homem não consegue aprisionar, o passado e o futuro é que têm aprisionado o homem.
Todos conhecem pessoas que vivem com a mente no passado, são os nostálgicos, aqueles que relembram com saudade de sua infância, do seu passado ou mesmo de um passado que não vivenciaram, mas que gostariam de tê-lo feito. Estes deixam de viver o presente e pouco se importam com o futuro. Dedicam-se à sua memória.
No outro vértice encontram-se aqueles muitos que vivem “pré ocupados”, ou seja, ocupados mentalmente com um futuro ainda coberto pelo manto da incerteza. O medo ou a ansiedade das possibilidades futuras que se situam fora do controle, tem conseguido tomar as rédeas da vida do homem pós-moderno.
Isto ocorre com tanta intensidade porque nada mais é seguro ou garantido. O que é verdadeiro nesse hoje que nos chega, pode ser falso amanhã. Tenho emprego hoje, mas posso não ter no próximo mês. Sou empresário hoje, mas posso estar falido em breve. O casamento, que era para sempre, agora virou desafio. Investir no que? Acreditar em quem ou no que? Dedicar-se a que? Até que ponto o dinheiro está valendo a pena? Poderei garantir as necessidades de meus filhos? Aproveito o momento ou planto sementes para um futuro melhor? Estarei vivo para aproveitar o futuro?
Essa insegurança decorrente da alucinante rapidez com que o futuro atinge o homem, tem causado mal-estar àqueles que ainda não conseguiram se adaptar à nova realidade líquida e mutante. Se por um lado o rápido desenvolvimento tecnológico trouxe uma série de confortos e melhorias, também gerou efeitos colaterais que a humanidade precisará de tempo para assimilar.
Portanto, silenciemos por um instante para ouvir a voz de Janus. Talvez, como deus dos portões e passagens, ele pretenda nos dizer que a vida é uma contínua passagem. Quem sabe valha a pena deixar Janus cuidar um pouco das questões pessoais do passado e do futuro, para vivermos conscientemente o presente que, como um pássaro arisco, só se deixa perceber por quem está em paz consigo mesmo.
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