Segundo a Teoria do Contrato Social, em um determinado momento dos primórdios da civilização, resolvemos ceder uma parte de nossa liberdade individual em troca da proteção do Estado, ente artificial criado pelo homem, que já foi grande como Leviatã e hoje tem seguido uma tendência de diminuição de estrutura.
Ao longo dos tempos, essa benéfica proteção estatal foi muitas vezes deturpada e utilizada como instrumento de perseguição, inclusive por parte da Igreja Romana na época em que comungava explicitamente do poder estatal.
Se é verdade, por um lado, que a forte intervenção do Estado passou a sofrer limitações nas repúblicas democráticas em que impera o Direito, não se pode esquecer que, vez por outra, tais freios não atingem a eficiência devida.
Exemplo disso em nosso país é a imposição do regime legal de separação de bens para o casamento de pessoas com mais de 70 anos de idade.
Para o nosso Código Civil não importa que a pessoa tenha plena sanidade e consciência do ato que está por realizar, se tiver mais de 70 anos será obrigada a casar pelo regime da separação de bens.
É como se, ao completar 70 anos, as pessoas perdessem automaticamente o juízo e tivessem que voltar a ser tratadas como menores de idade para efeitos jurídicos.
A meu ver, trata-se de uma presunção implícita de que, se alguém casa com uma pessoa com mais de 70 anos é movido exclusivamente por interesse patrimonial e não por afetividade. Há também uma presunção de que uma pessoa com mais de 70 anos não reúne condições para decidir a respeito da melhor forma de gerir o seu próprio patrimônio.
Se o nosso Código Civil fosse antigo até se poderia cogitar de que é uma disposição ultrapassada, mas a verdade é que se trata de uma norma recente e que, portanto, representa os atuais anseios de uma sociedade que, cada vez mais, é composta de pessoas com mais de 70 anos de idade.
Outro exemplo de intromissão estatal na vida privada é o teor do projeto em tramitação da chamada “Lei da Palmada”.
É claro que o Estado deve intervir energicamente sempre que for constatada a ocorrência de violência física dentro do lar. Nesses casos, deve o Estado cumprir com o seu papel e impor sanções para que tais atos não se repitam. Aliás, é justamente esse tipo de proteção que se espera do ente estatal.
Todavia, a proibição legal genérica da prática de qualquer tipo de reprimenda física como forma de educação e controle da prole, constitui intromissão abusiva e indevida que o legislativo está em vias de aprovar.
Ao mesmo tempo em que reprovo a violência no lar, penso que um pai deve ter a liberdade de dar uma palmada no filho, quando entender ser necessário para a melhor educação. Não conheço uma só pessoa traumatizada por ter recebido palmadas na infância.
Intromissões como essa, lembram um trecho do Mixná Judaico que regulamenta com detalhes até mesmo a quantidade de relações sexuais que o homem tem o dever de praticar com a sua mulher, partindo de um critério profissional:
“Para homens que têm renda independente de trabalho, todos os dias. Para trabalhadores, duas vezes por semana. Para condutores de burros, uma vez por semana. Para condutores de camelos, uma vez por mês. Para marinheiros, uma vez por semestre.” (Mixná, Ketubot 5:6).
Imagine a dificuldade do marinheiro judeu contar a sua profissão para a namorada! Acho que deve ser mais ou menos assim:
“- Olha Verônica, tenho que te contar um detalhe que venho escondendo há algum tempo.”
“- Você me traiu Rodolfo? Eu te perdôo, pela tua sinceridade…”
“- Não Verônica querida, é que… eu sou marinheiro.”
“- O que? Não acredito, saia daqui, não quero isso para mim, está tudo acabado…”
“- Mas Verônica?”
“- Rodolfo, uma vez por semestre não!”
A brincadeira foi inevitável, mas o assunto é sério. Até quando vamos permitir que o Estado intervenha de forma desmedida em nosso cotidiano? O brasileiro deveria acompanhar melhor o trabalho parlamentar e evitar novas intromissões indevidas que afrontam as liberdades individuais e o modo de convivência que se entende por salutar.
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