1 de dezembro de 2011

QUEM É NORMAL?

Lá nos idos de 1896, Machado de Assis escreveu uma crônica tratando da paciência que tinha para ouvir o que as pessoas queriam lhe contar. Ele dava valor ao ato de ouvir o interlocutor. Eram notícias e discursos inflamados, vindos de pessoas que arregalavam os olhos durante a conversa, apertavam-lhe o braço ou puxavam-no pela gola da camisa. 

Contou também que havia perdido o sentimento de segurança desde a noticiada fuga no “Hospício de Alienados”. A partir disso, uma dúvida passou assaltar-lhe o sossego. Como poderia dali para frente ter ele a segurança de que o seu interlocutor não era um dos loucos fugitivos do hospício? Quem lhe asseguraria a normalidade mental do interlocutor? Qual o método para distinguir o louco do normal?

Voltando ao tempo presente, posso dizer que a inquietação Machadiana prossegue. Quem é normal? Eu mesmo não tenho certeza se atinjo o padrão de normalidade almejado pela sociedade. Talvez nem seja esta a minha vontade.

Sim, pois a sociedade transmite e impõe o padrão de conduta a ser seguida pelo cidadão dito “normal”. Nesse padrão constam as aspirações corretas, as profissões a serem seguidas, o que cabe ser feito em cada idade, a forma de se vestir, de crer, de falar e de se portar.

Portanto, se você já atingiu os seus 20 e poucos anos prepare-se: é o momento de estabelecer um relacionamento monogâmico estável e pensar no casamento heterossexual. Esse é o normal. Quem não se casa é delicadamente etiquetado de “solteirão”, “solteirona” ou “encalhado”. Quem estabelece relacionamento homossexual, por sua vez, ainda é vítima de discriminação e comentários pejorativos de toda a espécie.

Mas não basta casar, você deve sim fazer uma festa e chamar muitos convidados, mesmo que estes depois saiam falando mal do jantar, da música ou das roupas. Essa festa é, sobretudo, um débito social, uma prestação de contas que merece fotos em colunas sociais, enfim, uma confirmação de que você aderiu ao padrão social daquilo que se entende por normalidade.

Quem se casa precisa comprar uma casa. Se você optar por alugar um imóvel ficará sendo obrigado a repetidamente ouvir a mesma pergunta: – “Afinal, Fulano, quando é que você irá comprar a sua casa”?

Depois de se casar, não se esqueça de que você precisa ter filhos. Não ter filhos é sinônimo de infelicidade e também uma desonra à sociedade e aos avós. Estão absolvidos dessa acusação de desonra aqueles que tentam, mas não conseguem procriar por limitações naturais.

Você deve também comprar um carro, preferencialmente novo, mesmo que seja financiado em muitas parcelas mensais ou que a dificuldade de pagar custe-lhe noites de sono.

Para ser bem visto você deve trabalhar muito. Na verdade precisa trabalhar mais do que o seu corpo e a sua mente aguentam, afinal você se casou, assumiu compromissos, deve sustentar a estrutura do lar, as despesas geradas pelos filhos, os custos de manutenção da casa, do carro, dos empregados, etc. Além disso, deverá ter dinheiro para satisfazer os desejos de consumo que a televisão empurra diariamente para dentro da sua casa, sob pena de estar impedido de acessar a felicidade pós-moderna.

Mas fique tranqüilo! Se você não conseguir pagar as suas contas, poderá então fazer empréstimos, utilizar o bondoso limite do cartão de crédito ou o do cheque especial, mas deve fazer o dinheiro girar no mercado, esta é a sua contribuição mais importante como cidadão normal.

Com tudo isso, caso você comece a sentir tremores, embaraço mental, tristeza, frustração, taquicardia, suor, desespero e outros sintomas de insanidade, procure um médico e tome ansiolíticos, antidepressivos, calmantes e outros dispositivos de manutenção e sedação mental. Isso faz parte e é socialmente bem aceito, pois você está demonstrando que se esforça para ser “normal”.

Por essas razões, assim como Machado de Assis, eu também não me espanto quando me procuram com olhos arregalados para conversar, quando lágrimas e suor escorrem aparentemente do nada, quando sussurram e gritam alternadamente ou quando demonstram medo e agonia em suas falas. São apenas cidadãos socialmente desejáveis que pretendem continuar sendo normais.

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